Fraude usava cadastros falsos de fornecedores para antecipações bancárias; oito mandados foram cumpridos no DF e em outros três estados.
A Polícia Civil do Distrito Federal desarticulou nesta quarta-feira (10/12) um grupo criminoso especializado em fraudes bancárias que causou prejuízo de R$ 88 milhões a uma multinacional brasileira. A operação cumpriu 20 mandados de busca e apreensão no DF, Pará, Maranhão e São Paulo, incluindo oito endereços nas regiões de Águas Claras, Ceilândia, Gama e Plano Piloto. Os criminosos se passavam por fornecedores legítimos em plataforma de antecipações financeiras.
Como funcionava o esquema fraudulento contra a multinacional?
O grupo criminoso especializado operava através de cadastros fraudulentos de fornecedores em uma plataforma de intermediação de antecipações financeiras utilizada por uma grande multinacional brasileira (cujo nome não foi divulgado). Os fraudadores acessaram o sistema da empresa vítima e criaram fornecedores fantasmas ou se apropriaram de identidades de fornecedores reais para solicitar antecipações de valores junto a bancos parceiros.
O mecanismo da fraude explorava a confiança estabelecida entre a multinacional e suas instituições financeiras. Ao se passarem por fornecedores legítimos, os criminosos conseguiam que valores expressivos fossem antecipados pelos bancos como se fossem pagamentos por serviços ou produtos futuros. Estes recursos eram então desviados para contas controladas pelo grupo antes que a fraude fosse detectada pelos sistemas de controle da empresa.
Qual a sofisticação do esquema de lavagem de dinheiro identificado?
Além da fraude inicial, a investigação revelou um complexo esquema de lavagem de dinheiro que utilizava múltiplas camadas de ocultação. Os criminosos empregavam pessoas como “laranjas” – indivíduos que emprestavam seus nomes e dados para movimentações financeiras em troca de compensação. Também foram identificadas empresas de fachada que, apesar de terem aparência regular, não possuíam estrutura operacional ou física compatível com os altos volumes financeiros movimentados.
Um dos métodos identificados foi o depósito fracionado de grandes quantias em espécie. Em um caso específico, um investigado depositou mais de R$ 1,5 milhão em um único dia, dividido em várias transações menores para evitar alertas dos sistemas de controle bancário. Estes recursos eram então transferidos entre múltiplas contas e investidos em bens de luxo e imóveis para dificultar o rastreamento.
Quem são os investigados e qual seu perfil criminal?
Entre os investigados pela operação, a Polícia Civil identificou perfis diversos que complementavam as necessidades do esquema criminoso. Incluem especialistas em sistemas e cibersegurança responsáveis pelo acesso às plataformas digitais da empresa vítima e pela criação dos cadastros fraudulentos. Também foi identificado um notório estelionatário do DF conhecido por seu envolvimento em grandes fraudes anteriores, incluindo o esquema da máfia dos concursos no Cebraspe em 2017.
Este histórico criminal prévio sugere que o grupo representava evolução de quadrilhas já conhecidas pelas autoridades, que aprimoraram seus métodos para atacar sistemas corporativos sofisticados. A presença de indivíduos com conhecimento técnico especializado indica profissionalização crescente do crime financeiro no país.
Como foi estruturada a operação policial em múltiplos estados?
A operação conjunta envolveu coordenação entre polícias civis de quatro estados e do Distrito Federal. Sob coordenação da Polícia Civil de Santa Catarina, as diligências sincronizadas atingiram alvos no DF, São Paulo, Pará e Maranhão. No Distrito Federal, as ações concentraram-se em oito endereços localizados em Águas Claras, Ceilândia, Gama e Plano Piloto, regiões escolhidas com base no rastreamento financeiro dos suspeitos.
Além das buscas e apreensões, a operação contou com bloqueios judiciais de contas bancárias totalizando R$ 88 milhões – valor equivalente ao prejuízo causado à empresa vítima. A Justiça também determinou o sequestro de imóveis e a apreensão de veículos de luxo adquiridos com os recursos desviados, visando “descapitalizar e asfixiar economicamente o grupo criminoso” conforme descrito no mandado judicial.
Qual o papel da Delegacia de Crimes Cibernéticos do DF na investigação?
A Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos da PCDF desempenhou papel central na investigação, fornecendo expertise técnica especializada para desvendar os métodos digitais utilizados pelos fraudadores. Esta unidade especializada possui capacitação específica para rastreamento de transações eletrônicas, análise forense digital e identificação de vulnerabilidades em sistemas corporativos que possam ter sido exploradas pelo grupo criminoso.
A atuação desta delegacia especializada é particularmente importante em casos que envolvem fraudes empresariais de alta complexidade, onde os criminosos utilizam conhecimentos técnicos avançados para burlar sistemas de segurança. A colaboração entre especialistas em crimes cibernéticos e investigadores tradicionais de fraudes financeiras tem se mostrado estratégia eficaz no combate a este tipo de criminalidade sofisticada.
Qual o impacto econômico deste tipo de fraude para as empresas brasileiras?
Fraudes do tipo “fraude a fornecedores” (vendor fraud) estão entre as mais prejudiciais financeiramente para empresas de grande porte. Segundo estudos do Instituto Brasileiro de Auditoria Interna, este tipo de crime representa aproximadamente 15% das perdas por fraudes corporativas no Brasil, com prejuízos médios superiores a R$ 2 milhões por caso. O valor de R$ 88 milhões registrado nesta operação coloca-a entre as maiores fraudes empresariais desarticuladas nos últimos anos.
Além do impacto financeiro direto, estas fraudes geram custos indiretos significativos relacionados a investigações internas, fortalecimento de controles, auditorias especiais e possíveis ações judiciais. Para empresas listadas em bolsa, há ainda o risco de impacto no valor de mercado e na reputação institucional perante investidores e clientes.
Quais medidas preventivas podem evitar fraudes similares?
Especialistas em fraude corporativa recomendam múltiplas camadas de controle para prevenir esquemas similares. A verificação rigorosa de fornecedores, incluindo validação presencial e análise documental aprofundada, constitui primeira linha de defesa. Sistemas de detecção de anomalias que monitoram padrões de pagamento e alertam para transações incomuns também são essenciais.
A segregação de funções no processo de pagamento, exigindo múltiplas aprovações para transações acima de determinado valor, reduz oportunidades para fraudes internas ou externas. Implementação de protocolos de segurança cibernética robustos, incluindo autenticação multifator e monitoramento constante de acessos aos sistemas financeiros, complementa a estratégia defensiva.
Qual o próximo estágio das investigações após a operação?
Com a fase operacional concluída com as buscas, apreensões e bloqueios, as investigações entram agora na etapa de análise de provas. Os materiais apreendidos – incluindo computadores, dispositivos de armazenamento, documentos físicos e registros financeiros – serão submetidos a perícia técnica especializada para reconstituir completamente o modus operandi e identificar todos os envolvidos.
A Polícia Civil de Santa Catarina continuará coordenando as diligências remanescentes com apoio das demais unidades estaduais. Os investigados serão intimados a prestar depoimento, e com base nas evidências coletadas, o Ministério Público formulará denúncia por crimes como estelionato qualificado, falsificação de documentos, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, cujas penas somadas podem ultrapassar 30 anos de reclusão.

